O Que Li Nos Últimos Tempos #20: The Gentleman’s Guide To Vice And Virtue e Um Bonde Chamado Desejo

The Gentleman’s Guide to Vice and Virtue – Mackenzi Lee 

Esse ano está sendo muito difícil pra mim por diversos motivos: a escalada da violência, intolerância e estupidez quanto mais nos aproximamos das eleições; a tensão gerada pelas péssimas expectativas do que pode acontecer depois dela; a mudança tremenda que houve no meu trabalho e que fez com que ele se transformasse em um lugar no qual eu não tenho mais o menor prazer de estar; o fim da minha faculdade; o TCC e o medo do futuro. Isso obviamente tem afetado as minhas leituras, que não estão nem tão frequentes nem tão boas quanto costumavam ser e vocês podem perceber isso na frequência de postagens do blog. Justamente por isso eu estava privilegiando a leitura de livros mais leves, que não exigissem tanto de mim e que me oferecessem algum tipo de conforto nesses tempos de trevas.

Foi nesse estado de espírito que topei com The Gentleman’s Guide que une basicamente tudo que eu amo: o plot de enemies to lovers; um ship gay canon maravilhoso; ambientação histórica incrível; personagens femininas fortes; um humor inteligente e sarcástico no ponto e a certeza de um final feliz. Então claro que eu tinha que ler e claro que li rápido apesar de não ter lido quase nenhum livro rápido esse ano. E o que tenho a dizer é obrigada Mackenzi Lee e todas as outras autoras que se dedicam aos livros de conforto porque era exatamente o que eu precisava pra voltar a me sentir bem mesmo que por apenas alguns dias.

O enredo do livro é bem maluco e difícil de explicar, mas vamos tentar. O protagonista Monty é filho de um aristocrata rígido e por ser o filho mais velho tem a missão de herdar a propriedade e os negócios da família, mesmo que deteste essa perspectiva. O pai também a detesta porque despreza o filho e preferia mil vezes deserdá-lo e deixar tudo pro filho neném. A raiz desse problema entre pai e filho é que o Monty gosta de rapazes, ele também gosta de moças, mas gostar também de rapazes aparentemente anula isso. De qualquer forma, o Monty é um cara meio perdido, meio fútil, que passa a vida bebendo, apostando e rolando na cama ou nos campos com moças e rapazes e desejando sem esperanças o seu melhor amigo desde sempre, Percy. O Percy é crush supremo, é bonito, talentoso, inteligente, doce e leal, o único problema é que ele é negro, o que na época faz da sua vida um inferno. Filho de uma aventura do pai na América do Sul, ele foi criado pelos tios e está prestes a ir para a escola de direito.

Percy e Monty no início do livro estão se preparando pra sair em um Grand Tour pela Europa antes de seguirem seus respectivos destinos adultos de escola de direito e propriedade paterna e eles saem nessa aventura acompanhados pela irmã de Monty, a incrível Felicity, e por um supervisor determinado pelo pai. Mas uma sucessão de azares começam a acontecer, incluindo um assalto à beira da estrada que na verdade não foi um assalto, mas sim uma tentativa de recuperar um precioso objeto que Monty roubara de um duque francês por engano. Esse objeto é uma caixa que guarda a chave para um relíquia alquímica que promete curar todos os males e, ao descobrir que Percy na verdade não vai para a escola de direito e sim para um sanatório insalubre por ser epilético (outro tapa da autora na nossa cara, mostrando o tratamento desumano destinado às pessoas com essa doença), Monty decide que eles não devem devolver o objeto ao duque para se livrarem da confusão, e sim chegar a ele primeiro para garantir a cura de Percy.

Essa busca os leva por vários países europeus que não estavam previstos inicialmente na seu itinerário e por encontros com figuras marginalizadas da época, como ciganos e piratas. E o tempo todo você vai se apaixonando pelo charmoso aristocrata bissexual, pelo doce e sofrido Percy e pela inteligente e forte Felicity e pensando no quanto o século XIX e quase todos os séculos antes dele pertenceram apenas aos homens brancos, héteros e protegidos por uma aparência de moral, e nem mesmo às mulheres submissas e e abnegadas, que o eram apenas pro pressão social.

O grande trunfo da autora nesse livro pra mim foi justamente dar a esses personagens silenciados em narrativas históricas um lugar de fala e possibilidades de felicidade que muito provavelmente não existiriam para eles, mas preservando o compromisso histórico na medida do possível. Além disso, o humor e a construção do relacionamento entre os três personagens principais também são maravilhosos. Não só o amor do Percy e do Monty é crível e sutilmente construído, mas também a irmandade em relação à Felicity que se constrói à base da empatia pela sua situação como mulher que aspira à independência e ao conhecimento no século XIX e do reconhecimento pelas suas habilidades. Por fim, o amadurecimento do Monty, a sua tomada de consciência sobre as necessidades das pessoas ao seu redor, em detrimento do seu início extremamente egoísta e autocentrado, também é lento e bem construído.

Recomendo bastante se você gosta de romance de época, se você gosta de Carry On (Simon e Baz lembram muuuuuito Percy e Monty) e se você quer ler justiça histórica sendo feita com humor e leveza.

P.S.: A novela lançada junto com a continuação da série é um prato cheio pros shippers de Percy e Monty. Suspiros eternos.

Um Bonde Chamado Desejo – Tennessee Williams 

Ainda na minha tentativa de ler coisas mais palatáveis por causa do meu estado de espírito nada adequado para leituras mais difíceis, encontrei Um Bonde Chamado Desejo na biblioteca municipal da minha cidade e acabei pegando-o achando que por se tratar de uma peça de teatro seria uma leitura mais fácil. De certa forma foi mais fácil porque por ser composto apenas de diálogo levei pouco tempo pra ler, mas foi uma leitura muito densa, especialmente no final.

Meu interesse nesse livro tinha começado por conta do meu interesse no famoso filme com o Marlon Brando e Vivien Leigh. Eu gostava do título e do elenco e a promessa de uma tensão bem construída entre os protagonistas me atraía. Mas acabou que antes que eu conseguisse ver o filme começaram a aparecer no meu caminho muitas resenhas/vídeos elogiosos da peça e aí acabei colocando-a na lista de leituras e pelo encontro na biblioteca lendo-o antes de ver o filme.

Eu não sabia muito sobre o enredo e isso ajudou e muito a construir a minha tensão, mas não vou poder poupar vocês de detalhes do enredo porque a maioria das coisas que mais quero comentar depende de spoilers. Mas aguentem uns spoilerszinhos e não desistam de mim, por favor.

A peça se passa em New Orleans, em uma rua pobre, perto de um bar de blues, à qual se chega pegando um bonde chamado Desejo. É nesse bonde que Blanche, a protagonista, chega na primeira cena, à procura da casa de sua irmã Stella. Blanche é sensível, nervosa e elegante e difere totalmente daquele ambiente de homens rudes e ignorantes e mulheres que vivem apenas para eles e isso a incomoda desde o início, mas é obrigada a pedir abrigo à irmã por não ter mais lugar pra ir depois de ser afastada da escola onde trabalhava como professora de inglês.

O marido de Stella, Stanley Kowalski, se estabelece logo de início como seu antagonista, incomodado com a sua presença e seus não-me-toques e desconfiando de suas explicações sobre a perda da casa da família. A tensão entre eles aumenta quando ele começa a investigar a cunhada e a descobrir coisas que confirmam suas desconfianças. Ao mesmo tempo, ele se mostra o tempo todo um homem violento, vulgar e extremamente sexual. Uma das cenas mais representativas de seu caráter e da natureza de seu relacionamento com Stella é uma em que, depois de bater em Stella e quebrar objetos da casa, ele chora na porta da vizinha chamando pela mulher que se refugiou ali com a irmã, até que ela sai e eles voltam para casa para fazer sexo. Depois desse episódio, Blanche quer fugir dali e levar a irmã consigo, e recorre a um ex amante para tentar conseguir isso, mas Stella diz que o sexo com Stanley compensa seus excessos e que ela não tem intenção alguma de ir embora dali.

Blanche, em busca da salvação do casamento, se aproxima do amigo mais sensível de Stanley, Mitch, fingindo um ar virginal que na verdade não tem. A teia de mentiras construída por Blanche a leva a uma derrocada trágica quando começa a ruir, especialmente em relação à Mitch que a despreza por não a considerar pura o suficiente para conhecer sua mãe e formar uma família com ele. As mentiras de Blanche fazem também com que a irmã e todas as outras pessoas a quem recorre não acreditem nela em relação a Stanley, que a violenta na noite do nascimento de seu filho. Ela então, que sempre foi sensível e nervosa, se entrega de vez à loucura que a perseguia com flashes de seu passado com a culpa de talvez ter provocado o suicídio do ex marido que descobriu ser homossexual.

Esse final me deixou com um gosto mais amargo na boca porque, apesar de ter percebido que a Blanche representava uma classe decadente que se recusava a abrir mão de seus privilégios e que ela era manipuladora mentirosa, senti grande empatia por ela, por conta dos julgamentos sociais extremamente severos contra as mulheres da época e da violência silenciada que ela sofre e que é descreditada. A submissão de Stella à violência por conta do desejo é deprimente e você se pega pensando no longo caminho que as mulheres percorreram até aqui.

Como já mencionei no meu post de autores conhecidos esse ano em que menciono o Tennessee Williams, a dramaticidade exagerada me incomodou em alguns momentos. A música vinda do bar de blues sempre é citada como um fator que aumenta e se torna mais dramático em cenas importantes. A loucura de Blanche é simbolizada por sombras na parede e suas falas e seu nervosismo frequentemente são exagerados e melodramáticos ao ponto de beirar a caricatura. Mas nada disso tira o brilho da peça nem interfere na sua força e na tensão genialmente construída entre os protagonistas.

Vou falar mais desse livro quando fizer um post sobre o filme (que por enquanto só assisti o comecinho), então fico por aqui.

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