Retrospectiva 2022: Melhores Livros do Ano

Esse ano rolaram muitas reviravoltas na minha vida e, por incrível que pareça, elas não prejudicaram minhas leituras, pelo contrário, em determinado momento do ano até consegui ler mais do que tinha conseguido ler nos últimos tempos, mas os plot twists me fizeram deixar de lado o blog e não conseguir resenhar nem metade do que eu queria. Inclusive, dos livros que eu vou citar nessa lista só dois têm resenhas publicadas e um tem apenas um O Que Estou Lendo?. Mesmo assim, foi um ano, especialmente no segundo semestre, de leituras muito boas e diferentes entre si e de descobrir a obra de autores renomados que eu morria de vontade de ler há muito tempo. A lista de melhores leituras não vai ter ordem e nem um total certinho. Vou só sair comentando sobre os livros que senti como melhores experiências de leitura, sejam eles 2 ou 20. Mas vamos lá.

Dois Irmãos – Milton Hatoum

Dois Irmãos foi uma leitura bem recente e que me fez ter um sentimento que eu prezo muito nas minhas leituras mas que tem sido cada vez mais raro: o de ser fisgada por uma boa contação de história, por aquele tipo de narrativa que te prende porque parece que você está em volta de um fogo ancestral ouvindo algum orador muito bom contando histórias de um tempo distante. Ano passado eu tive isso com Tudo é Rio, mas já durante a leitura, mesmo muito envolvida, em alguns momentos me batia a consciência de que algumas coisas ali eram meio cafonas ou meio lugar-comum. Com Dois Irmãos, no entanto, o prazer foi completo: o Milton Hatoum conseguiu fugir dos clichês mais óbvios para histórias sobre gêmeos, fez um trabalho primoroso com a narrativa em primeira pessoa que imita a memória, com suas falhas, suas incongruências, suas lacunas e seus excessos, e ainda me deixou com sede de conhecer as vielas de Manaus. A saga do Omar e do Yakub foi tão intensa, tão fluida e com momentos tão memoráveis que precisava entrar aqui. 

Um Homem Só – Christopher Isherwood

Um dos únicos resenhados da lista, Um Homem Só foi meu primeiro encontro com o Isherwood, e espero que haja muitos outros no futuro. Esse livro foi uma mistura rara de cinismo e amor que me impressionou demais por construir um homem gay solitário e em luto sem nunca ser condescendente, nem mesmo piedoso. Esse homem, alternando entre o ódio e a mais pura fé em si mesmo e no mundo, vai atravessando a vida furioso e intenso e nos arrastando com ele sem permitir que em momento algum você sinta pena dele, do começo da sua decadência física, da sua solidão, da sua dor, das suas tentativas de relacionar com homens mais jovens, do seu desprezo cambaleante por tudo que o cerca. O final talvez não seja pra todo mundo, mas eu achei bonito e condizente com o que foi construído. 

The Rabbi’s Cat – Joann Sfarr

Talvez The Rabbi’s Cat seja objetivamente o melhor livro que eu li este ano, o que seria surpreendente até pra mim, porque um livro sobre o gato falante de um rabino não soa muito como o tipo de coisa que renderia o absoluto encantamento que esse livro me deu. Ele é engraçado, certeiro, profundo e sutilmente emocionante e me fez pensar e sentir tanta coisa, sobre ética/moralidade, sobre religião, sobre as nossas razões para acreditar no que quer que acreditemos, apesar de tudo. Eu ainda vou fazer um post sobre ele porque é bom demais pra não ser divulgado em detalhes, mas por ora fique registrado que ele me ajudou a entender algumas coisas muito emocionalmente complexas e me deixou com a certeza de que manter o seu lado da rua limpo é tudo que você pode fazer nesse muito de crenças hipócritas e distorcidas. 

O Verão Sem Homens – Siri Hustvedt

Esse livro me deu tudo que eu gosto: mulheres desequilibradas e sensíveis demais, reflexões sobre formação da identidade, sobre o amor, sobre gênero e sobre aquelas pequenas crueldades que cometemos contra nossos pares quando somos crianças, especialmente as meninas, sem qualquer motivo aparente. Ele é irregular e meio arranjadinho demais pra cobrir de forma satisfatória a adolescência, a meia idade e a velhice, mas me tocou muito e foi lá no fundo em feridas importantes e por isso foi um dos meus favoritos. 

Norwegian Wood – Haruki Murakami

Minha monografia da graduação foi sobre romance de formação e enquanto eu pesquisava representantes famosos do gênero na literatura Norwegian Wood era um dos que mais aparecia. Some a isso o fato de ser do Murakami, autor indispensável pro meu projeto de leituras asiáticas, e você tem a importância que finalmente conseguir lê-lo teve pra mim. É  um livro estranho, que alternou entre me deixar muito triste e muito esperançosa com os encontros que a vida pode proporcionar e que criou imagens muito poderosas com as experiências do protagonista com as mulheres incríveis que ele ia conhecendo e com as perdas que ia tendo. No final, parecia que eu realmente tinha o visto se tornar um homem, e o que mais se pode querer de um romance de formação. Também me deixou obcecada em ler mais do Murakami a ponto de já ter comprado Kafka à Beira-Mar.

84, Charing Cross Road – Helene Hanff

Um dos dois representantes da não-ficção que vão aparecer na lista. Eu já sabia que ia amar 84 Charing Cross Road desde que assisti Nunca Te Vi, Sempre Te Amei, sua maravilhosa adaptação com o Anthony Hopkins. Mas a dimensão bem mais íntima que essa história tomou depois de ler as cartas dos dois correspondentes em suas próprias palavras, com as datas que ilustram o desenvolvimento do seu relacionamento, plenamente baseado no amor pelos livros, no humor e na ternura espontânea me surpreendeu. Me peguei chorando mesmo conhecendo exatamente a história e muito feliz por nós, pessoas dos livros, sempre nos reconhecermos e nos encontrarmos. O contexto do contraste entre a Inglaterra e os Estados Unidos no pós-Segunda Guerra também é muito interessante.

Understanding Comics: The Invisible Art – Scott McCloud

Não sei bem como classificar esse livro porque ele é teórico, mas também tem tanta emoção nele, tanto humor e entusiasmo genuíno pelos quadrinhos que parece errado considerá-lo apenas o resultado de uma pesquisa, uma tentativa de definir teoricamente os quadrinhos ou de apresentar os pontos mais importantes da sua história e defendê-los como arte. O Scott me envolveu demais e se deteve em pontos muito inesperadamente interessantes e ricos dos quadrinhos enquanto forma, ao ponto que eu devorei os capítulos finais. Um dia eu quero conseguir amar algo tão bem embasadamente, mas ao mesmo tempo de forma tão pura quanto ele.