O Que Estou Lendo?: A Assombração da Casa da Colina e Paula

A Assombração da Casa da Colina – Shirley Jackson

Eu geralmente sempre começo meus posts de O Que Estou Lendo com a história do meu interesse por aquele livro específico e nesse caso vai ser uma história bem longa. A Assombração na Casa da Colina apareceu na minha vida pela primeira vez comecei a ler Sempre Vivemos no Castelo, também da Shirley Jackson, que foi lançado no Brasil no ano passado, se não me engano, e que provocou certo barulho no lado do booktube que eu acompanho. Foi especificamente um vídeo da minha diva maior, a cultíssima Aline Aimée, que me fez pegar o livro pra ler na maior empolgação e enquanto ainda estava no início da leitura, comentei com um dos meus melhores amigos (e com certeza minha pessoa preferida pra conversar sobre livros) que estava lendo Shirley Jackson e ele entrou em um arroubou de entusiasmo por ela e pelo Assombração da Casa da Colina como eu nunca tinha visto. O livro causou uma impressão tão forte nele que ele chegou a escrever uma música inspirado por ele.

A leitura de Sempre Vivemos no Castelo como todos vocês sabem foi uma das melhores que fiz no ano passado e eu inclusive cheguei a favoritar o livro, então eu estava num hype de desejo insano pra ler Assombração. Mas a única edição dele publicada no Brasil tinha uns 30 anos e estava absolutamente esgotada em todos os lugares, o ebook pirata era péssimamente revisado, ao ponto de prejudicar a leitura e eu não tinha como dispositivos pra ler ebooks não-piratas, de modo que a leitura foi adiada por mais de um ano. Mas nesse ano começaram a acontecer várias coisas que contribuíram pra que a Shirley Jackson voltasse pra minha vida: primeiro, a mesma editora que lançou Sempre Vivemos no Castelo lançou Assombração, com o mesmo padrão de capa dura bonitinho; segundo, quase todos os desafios de leitura que eu me propus esse ano (e que falharam miseravelmente) envolviam esse livro e terceiro, a Netflix lançou uma adaptação em forma de série que está viralizando. Apesar de tudo isso, o livro ainda estava caríssimo, então tive que contar com a sorte de ganhar de um colega de turma que ajudei com o tcc um vale presentes pra uma das minhas livrarias preferidas no valor exato do livro e dar a sorte maior ainda de ele estar disponível em estoque. Então, como já não tinha mais desculpas e não queria que os pirangueiros da Netflix soubessem mais sobre essa história do que eu, comecei quase imediatamente a leitura.

Mas vamos ao enredo. A Eleanor é uma mulher na casa dos 30 anos que passou os últimos 10 cuidando da mãe doente. Depois da morte da mãe ela se sente finalmente livre pra viver tudo o que deixou de viver por sua dedicação exclusiva e sufocante ao leito da enferma. Com esse objetivo de viver o que não vivera antes, ela acaba aceitando o estranho convite de um doutor em filosofia para passar um período em uma casa com histórico de eventos sobrenaturais, em uma experiência para suas pesquisas. O doutor escolhera apenas pessoas que já tinham passado por alguma experiência sobrenatural anteriormente e Eleanor foi convidada por terem chovido pedras durante três dias sobre a casa onde morava na adolescência com a mãe e a irmã. Apesar das tentativas que sua irmã autoritária faz para impedi-la, Eleanor parte para a casa da colina, sentindo a liberdade que sempre sonhou.

Ainda estou bem no início, mas até agora o que deu pra perceber é que vai ser uma profunda imersão na cabeça da Eleanor. Ela parece ter uma imaginação muito fértil, que entra facilmente nos mais doces delírios, além de ter uma relação muito cagada com a família. O ritmo tem sido razoável, mas já tinha ouvido comentários de que o ritmo não era dos melhores mesmo. Espero que eu também sinta o entusiasmo do meu amigo mais à frente, mas vamos esperar pra ver.

Paula – Isabel Allende

O momento político do Brasil tem mexido muuuuito com a minha cabeça e renovado meu interesse em leituras sobre governos autoritários, que sempre foi um assunto que me atraiu. Paula não é exatamente um livro sobre governos autoritários, e sim uma memória da escritora Isabel Allende, prima de Salvador Allende, presidente do Chile deposto pelo golpe militar de Pinochet nos anos 70. Isabel tenta, nessa obra, reconstruir a sua história e a história de sua família para recontá-la à sua filha Paula, que entrou em coma aos 27 anos, sem que se soubesse que sequelas poderia ter caso acordasse. Ao recontar a saga dos Allende, Isabel reconta a história da América Latina e foi isso que me atraiu. Estou menos avançada na leitura do que em Assombração, então não tenho nenhuma opinião para dar ainda, exceto que já sei que vou sofrer como o cão por essa gente sofrida. Aguardem atualizações.

Tag dos Booktubers

Não sou booktuber, mas achei as perguntas dessa tag tão diferentes do que a gente costuma responder sempre, que tive que postá-la.

1. Claire Scorzi: Um clássico

Tenho dois tipos de clássicos preferidos: os escritos por mulheres inglesas do século XIX e os clássicos modernos. Então vou dar uma trapaceada básica, como sempre faço, e citar Jane Eyre e O Morro dos Ventos Uivantes da Charlotte e da Emily Bronte, respectivamente, como representantes do primeiro tipo de clássico, e Lolita do Vladimir Nabokov como exemplo do segundo tipo.
2. Tati Feltrin (Tiny Little Things): Um livro em inglês

Pra essa categoria eu tenho o livro perfeito, um que é intraduzível e, portanto, só pode ser lido em inglês: The Lover’s Dictionary do David Levithan. Como o nome diz, é um dicionário, e a maioria dos “verbetes” encontrados nele começariam com uma letra diferente em português, então a ordem alfabética ficaria diferente, bagunçando toda a beleza da construção da atmosfera de romance do livro.
3. Ju Gervason (O batom de Clarice): Um livro de poesia

Não leio muita poesia, até gostaria de mudar isso, mas por enquanto ainda não rolou. Dentre os poucos livros de poesia que li, um que eu indicaria bastante seria o Obra Poética de Fernando Pessoa. Essa edição reúne todos os poemas publicados dele, divididos pelos heterônimos, então além da qualidade inegável da poesia dele, você a tem em estilos diferentes, de acordo com o heterônimo da vez, e se você não gostar do estilo rebuscado do Ricardo Reis, por exemplo, no mesmo livro pode encontrar os poemas mais simples e voltados para a natureza do Alberto Caeiro.
4. Patricia Pirota: Um livro nacional

Um nacional contemporâneo que eu li, gostei muito e acho que merecia ser mais comentado é O Fazedor de Velhos do Rodrigo Lacerda. É um livro sobre literatura para amantes de literatura, além de ser um romance de formação com gostinho de Brasil.
5. Mell Ferraz (Literature-se): Um livro fofo

São tantoooos…. Mas os que eu me lembro agora de terem me deixado com as mãos nas bochechas de tanta fofura foram Soppy, que é uma HQ lindinha sobre ver o amor nas coisas simples da vida a dois e Isla e o Final Feliz que é o livro da trilogia da Stephanie Perkins que eu mais releio, porque mesmo sendo o mais trabalhado na melação, é também o mais realista, porque adolescentes são mesmo melosos, intensos e acham que tudo é eterno. Mas só pra desencargo de consciência preciso citar também todos os livros da Rainbow Rowell, que é especialista em preencher meu coração de fofura, principalmente com Carry On (Simon e Baz meu OTP supremo, ensinando como fazer pra um personagem tapado e um inteligentíssimo darem certo e serem shippáveis, dá vontade né, Rony e Hermione?) e Eleanor e Park (ultimate cuteness é ter todos os feelings possíveis com uma pegada na mão dentro de um ônibus escolar).
6. JotaPflutz (AMO A JOTA ❤ ❤ <3): Um quadrinho

Nimona da Noelle Stevenson talvez foi o quadrinho mais adorável, recheado de personagens incríveis e de feelings que eu já li na minha vida, embora já tenha lido outros melhores, e como a Jota Pflutz também gosta muito dele e da autora, achei que combinaria com a categoria dela.
7. Victor Almeida (Geek Freak): Um livro de fantasia

Eu não tenho lido mais muita fantasia nos últimos tempos e, na verdade, nunca fui a pessoa mais dedicada a esse gênero, mas vou citar duas sagas e um stand alone fantásticos que eu amei e achei que ultrapassaram aquela coisa de fórmula que vem à mente quando a gente pensa em fantasia. Elas são: A Saga dos Corvos (só li os dois primeiros livros, porque tenho uma dificuldade crônica pra concluir séries, mas foram dois dos melhores livros de fantasia que eu já li, porque são extremamente originais, a linguagem que a Maggie usa é especialíssima, poética e linda, as relações entre os personagens são muito bem desenvolvidas e os seus problemas humanos são tão importantes quanto os sobrenaturais), As Crônicas de Gelo e Fogo (porque tem as melhores intrigas de poder já escritas em fantasia, porque o universo é fascinante e porque a série ainda não conseguiu estragar a qualidade dos livros) e A Corrida de Escorpião (a Maggie é tão absoluta que aparece duas vezes aqui mesmo, me processem).
8. Gisele Eberspächer (Vamos Falar Sobre Livros?): Um livro lançado nessa década

Primeiro pausa pra dizer que adoro a Gisele e as indicações de literatura contemporânea que ela faz. Agora podemos voltar a responder à tag. Um livro lançado nessa década que eu, inclusive já vi sendo citado no canal da Gisele foi o Operação Impensável da Vanessa Barbara, de 2014. Apesar das inúmeras ressalvas que tenho em relação à qualidade dele e que já comentei aqui no blog, esse é um livro que cresceu pra mim depois da leitura em grande parte por causa da contemporaneidade dos temas dele e da honestidade com que eles são tratados.
9. InesBooks: Um livro da literatura portuguesa

Eu não sou muito fã de literatura portuguesa, então tirando Mensagem e Obra Poética do Pessoa, não me lembro de ter lido nada português que eu tenha gostado de verdade. Nesse exato momento estou no processo tortuoso de ler Saramago pra faculdade, mas como estou falhando miseravelmente nesse empreendimento é melhor deixar pra lá. Então fica a indicação do Pessoa mesmo, que é sempre bom, em qualquer heterônimo ou como ele mesmo.
10. Isa (lidolendo): Quero ser amigo desse livro

Sociedade Literária e Torta de Casca de Batata é um daqueles livros que te faz sentir em casa. Sempre que estou me sentindo muito mal ou muito sozinha, eu pego ele pra me transportar pra ilha de Guernsey e praquele grupo de amigos incrível que eu queria que me adotasse. Sinto como se todos eles fossem meus amigos pessoais, desde a hilária Isola, até o sofrido Booker.
11. Pam Gonçalves (Garota It): Um livro chick-lit ou YA

Três Coisas Sobre Você/ O Diário de Bridget Jones

Na categoria YA eu vou citar Três Coisas Sobre Você porque é um dos livros com os quais eu realmente me identifiquei dentro do gênero e que eu acho que merecia ser mais conhecido. As referências literárias dele são maravilhosas e apesar de lidar com luto e com temas pesados não o faz do jeito overdramatic do sick-lit. Já no quesito chick-lit eu não sou muito bem versada, então vou ser obrigada a citar O Diário de Bridget Jones que todo mundo conhece e já leu, mas que continua sendo meu livro preferido do gênero porque consegue ser realmente engraçado e identificável. Outros chick-lits que gostei: Um Amor de Detetive e Samantha Sweet, Executiva do Lar.
12. Vevsvaladares: Um livro que dança ballet na sociedade

O Apanhador no Campo de Centeio foi um dos primeiros livros sobre outsiders que eu li e que começou uma tendência de gosto que carrego até hoje e que atingiu seu pico no meu amor inigualável pelos livros do ciclo do Arturo Bandini do John Fante: simplesmente não resisto a personagens vagabundos, perdidos, psicologicamente perturbados e com tendências megalomaníacas.
13. Sopa Primordial: Um mangá ou um livro japonês

Eu também não leio muitos mangás, apesar de não ter nada contra. Eu acho que o motivo pra essa lacuna nas minhas leituras é que sou vergonhosamente ocidental, até na prosa mais tradicional só consigo lembrar de um livro japonês que eu tenho na estante e nem o li ainda (por sinal é o O Gigante Enterrado do Ishiguro). Então fica aqui o único mangá que lembro de ter lido de verdade, que foi Ao Haro Ride, que é um shoujo bem fofinho.
14. Denise Merdedes (Cem Anos de Literatura): Um livro com mais de 600 páginas

Primeiramente, saudades dos vídeos da Denise, diva criadora da Tag dos Calhamaços. Segundamente, ao contrário dela, não sou lá muito fã de livros extremamente grandes, então tenho poucos exemplos pra escolher. Entre os pouquíssimos calhamaços com mais de 600 páginas que li, no entanto, meu preferido foi A Guerra dos Tronos, primeiro livro da série das Crônicas de Gelo e Fogo do George Martin, por motivos de intrigas de poder muuuuito boas.
15. Henrique Júnio (Ensaio sobre a inconstância): Um livro da Cosac Naify

Cosac Naify é ostentação demais pro meu bolso de leitora pobre, então tenho pouquíssimos livros publicados por eles, e foram todos comprados depois da falência da empresa em promoções da Amazon. Desses livros comprados li menos ainda, suspeito até que o único que eu li tenha sido Carta a D. do André Gorz, que é um livrinho muito triste e muito terno que eu desejava há muito tempo e que pra mim é uma definição de amor em forma de livro.

O Que Li Nos Últimos Tempos #20: The Gentleman’s Guide To Vice And Virtue e Um Bonde Chamado Desejo

The Gentleman’s Guide to Vice and Virtue – Mackenzi Lee 

Esse ano está sendo muito difícil pra mim por diversos motivos: a escalada da violência, intolerância e estupidez quanto mais nos aproximamos das eleições; a tensão gerada pelas péssimas expectativas do que pode acontecer depois dela; a mudança tremenda que houve no meu trabalho e que fez com que ele se transformasse em um lugar no qual eu não tenho mais o menor prazer de estar; o fim da minha faculdade; o TCC e o medo do futuro. Isso obviamente tem afetado as minhas leituras, que não estão nem tão frequentes nem tão boas quanto costumavam ser e vocês podem perceber isso na frequência de postagens do blog. Justamente por isso eu estava privilegiando a leitura de livros mais leves, que não exigissem tanto de mim e que me oferecessem algum tipo de conforto nesses tempos de trevas.

Foi nesse estado de espírito que topei com The Gentleman’s Guide que une basicamente tudo que eu amo: o plot de enemies to lovers; um ship gay canon maravilhoso; ambientação histórica incrível; personagens femininas fortes; um humor inteligente e sarcástico no ponto e a certeza de um final feliz. Então claro que eu tinha que ler e claro que li rápido apesar de não ter lido quase nenhum livro rápido esse ano. E o que tenho a dizer é obrigada Mackenzi Lee e todas as outras autoras que se dedicam aos livros de conforto porque era exatamente o que eu precisava pra voltar a me sentir bem mesmo que por apenas alguns dias.

O enredo do livro é bem maluco e difícil de explicar, mas vamos tentar. O protagonista Monty é filho de um aristocrata rígido e por ser o filho mais velho tem a missão de herdar a propriedade e os negócios da família, mesmo que deteste essa perspectiva. O pai também a detesta porque despreza o filho e preferia mil vezes deserdá-lo e deixar tudo pro filho neném. A raiz desse problema entre pai e filho é que o Monty gosta de rapazes, ele também gosta de moças, mas gostar também de rapazes aparentemente anula isso. De qualquer forma, o Monty é um cara meio perdido, meio fútil, que passa a vida bebendo, apostando e rolando na cama ou nos campos com moças e rapazes e desejando sem esperanças o seu melhor amigo desde sempre, Percy. O Percy é crush supremo, é bonito, talentoso, inteligente, doce e leal, o único problema é que ele é negro, o que na época faz da sua vida um inferno. Filho de uma aventura do pai na América do Sul, ele foi criado pelos tios e está prestes a ir para a escola de direito.

Percy e Monty no início do livro estão se preparando pra sair em um Grand Tour pela Europa antes de seguirem seus respectivos destinos adultos de escola de direito e propriedade paterna e eles saem nessa aventura acompanhados pela irmã de Monty, a incrível Felicity, e por um supervisor determinado pelo pai. Mas uma sucessão de azares começam a acontecer, incluindo um assalto à beira da estrada que na verdade não foi um assalto, mas sim uma tentativa de recuperar um precioso objeto que Monty roubara de um duque francês por engano. Esse objeto é uma caixa que guarda a chave para um relíquia alquímica que promete curar todos os males e, ao descobrir que Percy na verdade não vai para a escola de direito e sim para um sanatório insalubre por ser epilético (outro tapa da autora na nossa cara, mostrando o tratamento desumano destinado às pessoas com essa doença), Monty decide que eles não devem devolver o objeto ao duque para se livrarem da confusão, e sim chegar a ele primeiro para garantir a cura de Percy.

Essa busca os leva por vários países europeus que não estavam previstos inicialmente na seu itinerário e por encontros com figuras marginalizadas da época, como ciganos e piratas. E o tempo todo você vai se apaixonando pelo charmoso aristocrata bissexual, pelo doce e sofrido Percy e pela inteligente e forte Felicity e pensando no quanto o século XIX e quase todos os séculos antes dele pertenceram apenas aos homens brancos, héteros e protegidos por uma aparência de moral, e nem mesmo às mulheres submissas e e abnegadas, que o eram apenas pro pressão social.

O grande trunfo da autora nesse livro pra mim foi justamente dar a esses personagens silenciados em narrativas históricas um lugar de fala e possibilidades de felicidade que muito provavelmente não existiriam para eles, mas preservando o compromisso histórico na medida do possível. Além disso, o humor e a construção do relacionamento entre os três personagens principais também são maravilhosos. Não só o amor do Percy e do Monty é crível e sutilmente construído, mas também a irmandade em relação à Felicity que se constrói à base da empatia pela sua situação como mulher que aspira à independência e ao conhecimento no século XIX e do reconhecimento pelas suas habilidades. Por fim, o amadurecimento do Monty, a sua tomada de consciência sobre as necessidades das pessoas ao seu redor, em detrimento do seu início extremamente egoísta e autocentrado, também é lento e bem construído.

Recomendo bastante se você gosta de romance de época, se você gosta de Carry On (Simon e Baz lembram muuuuuito Percy e Monty) e se você quer ler justiça histórica sendo feita com humor e leveza.

P.S.: A novela lançada junto com a continuação da série é um prato cheio pros shippers de Percy e Monty. Suspiros eternos.

Um Bonde Chamado Desejo – Tennessee Williams 

Ainda na minha tentativa de ler coisas mais palatáveis por causa do meu estado de espírito nada adequado para leituras mais difíceis, encontrei Um Bonde Chamado Desejo na biblioteca municipal da minha cidade e acabei pegando-o achando que por se tratar de uma peça de teatro seria uma leitura mais fácil. De certa forma foi mais fácil porque por ser composto apenas de diálogo levei pouco tempo pra ler, mas foi uma leitura muito densa, especialmente no final.

Meu interesse nesse livro tinha começado por conta do meu interesse no famoso filme com o Marlon Brando e Vivien Leigh. Eu gostava do título e do elenco e a promessa de uma tensão bem construída entre os protagonistas me atraía. Mas acabou que antes que eu conseguisse ver o filme começaram a aparecer no meu caminho muitas resenhas/vídeos elogiosos da peça e aí acabei colocando-a na lista de leituras e pelo encontro na biblioteca lendo-o antes de ver o filme.

Eu não sabia muito sobre o enredo e isso ajudou e muito a construir a minha tensão, mas não vou poder poupar vocês de detalhes do enredo porque a maioria das coisas que mais quero comentar depende de spoilers. Mas aguentem uns spoilerszinhos e não desistam de mim, por favor.

A peça se passa em New Orleans, em uma rua pobre, perto de um bar de blues, à qual se chega pegando um bonde chamado Desejo. É nesse bonde que Blanche, a protagonista, chega na primeira cena, à procura da casa de sua irmã Stella. Blanche é sensível, nervosa e elegante e difere totalmente daquele ambiente de homens rudes e ignorantes e mulheres que vivem apenas para eles e isso a incomoda desde o início, mas é obrigada a pedir abrigo à irmã por não ter mais lugar pra ir depois de ser afastada da escola onde trabalhava como professora de inglês.

O marido de Stella, Stanley Kowalski, se estabelece logo de início como seu antagonista, incomodado com a sua presença e seus não-me-toques e desconfiando de suas explicações sobre a perda da casa da família. A tensão entre eles aumenta quando ele começa a investigar a cunhada e a descobrir coisas que confirmam suas desconfianças. Ao mesmo tempo, ele se mostra o tempo todo um homem violento, vulgar e extremamente sexual. Uma das cenas mais representativas de seu caráter e da natureza de seu relacionamento com Stella é uma em que, depois de bater em Stella e quebrar objetos da casa, ele chora na porta da vizinha chamando pela mulher que se refugiou ali com a irmã, até que ela sai e eles voltam para casa para fazer sexo. Depois desse episódio, Blanche quer fugir dali e levar a irmã consigo, e recorre a um ex amante para tentar conseguir isso, mas Stella diz que o sexo com Stanley compensa seus excessos e que ela não tem intenção alguma de ir embora dali.

Blanche, em busca da salvação do casamento, se aproxima do amigo mais sensível de Stanley, Mitch, fingindo um ar virginal que na verdade não tem. A teia de mentiras construída por Blanche a leva a uma derrocada trágica quando começa a ruir, especialmente em relação à Mitch que a despreza por não a considerar pura o suficiente para conhecer sua mãe e formar uma família com ele. As mentiras de Blanche fazem também com que a irmã e todas as outras pessoas a quem recorre não acreditem nela em relação a Stanley, que a violenta na noite do nascimento de seu filho. Ela então, que sempre foi sensível e nervosa, se entrega de vez à loucura que a perseguia com flashes de seu passado com a culpa de talvez ter provocado o suicídio do ex marido que descobriu ser homossexual.

Esse final me deixou com um gosto mais amargo na boca porque, apesar de ter percebido que a Blanche representava uma classe decadente que se recusava a abrir mão de seus privilégios e que ela era manipuladora mentirosa, senti grande empatia por ela, por conta dos julgamentos sociais extremamente severos contra as mulheres da época e da violência silenciada que ela sofre e que é descreditada. A submissão de Stella à violência por conta do desejo é deprimente e você se pega pensando no longo caminho que as mulheres percorreram até aqui.

Como já mencionei no meu post de autores conhecidos esse ano em que menciono o Tennessee Williams, a dramaticidade exagerada me incomodou em alguns momentos. A música vinda do bar de blues sempre é citada como um fator que aumenta e se torna mais dramático em cenas importantes. A loucura de Blanche é simbolizada por sombras na parede e suas falas e seu nervosismo frequentemente são exagerados e melodramáticos ao ponto de beirar a caricatura. Mas nada disso tira o brilho da peça nem interfere na sua força e na tensão genialmente construída entre os protagonistas.

Vou falar mais desse livro quando fizer um post sobre o filme (que por enquanto só assisti o comecinho), então fico por aqui.

Top 5: Autores que conheci esse ano (2018 Edition)

Lygia Fagundes Telles

Já fazia muito tempo que eu queria saldar minha dívida com as escritoras brasileiras que eu negligenciei e a Lygia Fagundes Telles com certeza era a minha maior vergonha. Somente esse ano, ao esbarrar com Ciranda de Pedra em uma biblioteca municipal foi que finalmente tive a oportunidade. A Lygia é mais consagrada como contista, então ainda pretendo ler alguma de suas coletâneas de contos antes de julgá-la definitivamente, mas Ciranda de Pedra já foi uma experiência de leitura boa e intensa o suficiente pra me fazer querer ler muito mais dela, ainda mais considerando que ela faz muito mais o meu estilo que a Clarice, minha gente, me processem.

Julia Alvarez

Essa autora eu só conheci por conta do desafio de leitura de mulheres que apresentei aqui no blog muito tempo atrás. De outra forma eu nunca nem teria ouvido falar dela, o que seria uma pena enorme. O livro mais conhecido dela e único que li até agora é How The García Girls Lost Their Accents, e só por esse título maravilhoso ela já ganhou muuuitos pontos comigo, mas a sensibilidade que ela tem ao tratar de temas delicados do crescimento das mulheres e da experiência da imigração fizeram com que ela ganhasse um lugarzinho no meu coração de leitora, mesmo que muito provavelmente eu nunca mais vá ler nada dela por conta da dificuldade de acesso.

André Aciman

Provavelmente o meu preferido dos autores descobertos esse ano e cujo livro livro teve maior impacto emocional em mim. Me Chame Pelo Seu Nome pegou meu coração e meu estômago e revirou, pisoteou e estraçalhou, não por ser melodramático ou trágico, mas por ser sensível e honesto e extremamente real. Acho meio difícil que outro livro do Aciman me cause o mesmo impacto, porque a junção de fatores que fez essa leitura tão memorável pode nunca mais se repetir, mas mesmo assim quero muito ler mais alguma coisa dele porque a sua voz narrativa é tão diferente e única e profunda e visceral e cheia de sentimentos em uma época de literaturas cínicas, que preciso lê-la de novo. A minha esperança é que o sucesso do filme alavanque a publicação de mais obras dele no Brasil, porque até esse ano não havia nenhuma traduzida.

Nora Ephron

Talvez eu possa dizer que já tinha tido contato com a Nora escritora por conta dos roteiros de filmes maravilhosos que assisti assinados por ela, mas em forma de livro mesmo Heartburn foi o primeiro. Amo a voz narrativa dela, que é muito sagaz, engraçada e honesta e me faz ter a sensação de estar conversando com uma amiga muito querida e divertida que sempre tem uma história da sua vida pra ilustrar algum conselho do tipo “não-case-com-jornalistas-de-washington-que-desmascararam-escândalos-de-corrupção-presidencial-ou-vai-acabar-grávida-de-8-meses-e-traída”. Ela escreveu pouca coisa e o contato com as obras dela é extremamente difícil, mas mesmo assim quando estiver precisando de uma amiga já sei a quem recorrer.

Tenessee Williams

O acréscimo mais recente da lista (terminei Um Bonde Chamado Desejo ontem e ainda tenho muitos feelings) e talvez o que mais se afaste do que eu geralmente gosto. Ele se afasta do que eu gosto não por escrever apenas peças de teatro, mas por ser um tantinho – ou talvez muito – melodramático. Eu adorei Um Bonde Chamado Desejo, achei os personagens principais bem construídos (depois de um receio inicial em relação à Blanche ser muito caricata) e o antagonismo e tensão entre eles também. As questões extremamente delicadas e à frente do seu tempo nas quais ele toca também são dignas de nota, por exemplo, a violência contra a mulher, a repressão aos homossexuais, os julgamentos morais extremamente severos contra as mulheres, etc., mas em alguns momentos a música dramática em cada descrição de cena, a dramaticidade dos gestos e palavras da Blanche e dos próprios acontecimentos foram um pouco over the top. Mesmo assim quero ler Gata em Teto de Zinco Quente porque esses defeitinhos não tiraram o brilho da peça pra mim e porque o título desse outro livro inspirou o título do meu blog literário favorito, o Coruja em Teto de Zinco Quente.