Pra mim é muito interessante como a nossa relação com os autores se desenrola. Tem gente que acha o autor tão importante quanto a obra, tem gente que separa totalmente as duas coisas, tem gente, como eu, que separa até certo ponto… E mais interessante ainda é como isso vai mudando ao longo da vida. Quando eu era criança, só lia livros de biblioteca porque não tinha dinheiro pra escolher e comprar meus livros; além disso, só fui ter acesso à internet aos 12 anos de idade, então não sabia nada sobre autor nenhum, exceto o que aparecia na orelha dos livros. Agora, é quase impossível não saber nada sobre um autor se você está na internet de alguma forma, e ainda por cima tem muita gente que estabelece uma relação pessoal com autores nacionais ou internacionais mais acessíveis, o que me aterroriza, porque conhecer muitas vezes é se decepcionar. Ter vivido o antes e depois do autor onipresente me fez ter uma visão mais completa sobre os prós e contras de cada opção, e esse post é sobre várias coisas relacionadas à figura do autor, mas acima de tudo é sobre como eu sinto falta de não saber.
Jane Austen
Eu quis começar pela Jane Austen porque ela é o caso ideal: autora morta sobre quem se sabe muito pouco e que não tem como decepcionar. Li todos os romances concluídos dela e sem dúvidas a Austen é minha escritora preferida: se eu tivesse um desejo a fazer a um gênio da lâmpada seria que ela tivesse escrito mais para que eu pudesse ter mais oportunidades de ler um romance austeneano pela primeira vez. A minha relação com ela é constante, fiel e sem variações: amei-a aos 12 anos, quando comecei a lê-la, e amo-a hoje, aos 25, quando vira e mexe tenho vontade de reler seus livros. O fato de ela ter demonstrado ideias muito à frente de seu tempo nas obras que escreveu é um plus, porque me faz pensar que ela teria opiniões políticas progressistas caso tivesse acesso ao tipo de discussão que temos hoje.
Livros lidos: Orgulho e Preconceito, Persuasão, Razão e Sensibilidade, A Abadia de Northanger, Mansfield Park e Emma.
Gabriel García Márquez
Com o García Márquez a gente já entra numa seara um pouco mais complicada. Ele é sem dúvidas um dos meus escritores favoritos, mas a nossa relação está estremecida há bastante tempo, tanto é que já não leio nada dele há uns 4 anos. O Gabo morreu em 2014 e, ao contrário do seu “rival” Vargas Llosa (que infelizmente é um escritor brilhante) não chegou a virar um cabo eleitoral da extrema direita de quinta categoria. Ele se manteve de esquerda até a morte, escreveu livros geniais até a morte, mas eu queria que ele tivesse falado menos sobre sua própria obra, porque foi depois de ler as opiniões que ele expressou em Cheiro de Goiaba sobre Cem Anos de Solidão que eu fiquei meio desanimada para lê-lo. As opiniões pessoais de um autor que experimentou a celebridade por conta de determinado livro com certeza vão ser influenciadas pelas dores de cabeça que ele teve devido à fama, pela frustração que ficar marcado por uma obra específica lhe trouxe, pela sensação de que ninguém reconheceu que ele a superou em qualidade em obras posteriores, e isso é plenamente compreensível porque escritores são apenas seres humanos. Mas quando eu tive que ler os defeitos que ele colocava em Cem Anos de Solidão, o quanto ele diminuía o livro, seus significados e motivações, fiquei com uma impressão de que ele era quase infantil no rancor pela obra. Por isso nunca mais quero ler livro de autor nenhum sobre o que ele próprio escreveu. Espero que um dia, com a distância do tempo, eu consiga voltar a lê-lo, porque além dos 6 livros dele que já li, acho vários outros interessantes, como Notícia de Um Sequestro, Do Amor e Outros Demônios e A Revoada.
Livros lidos: Crônica de Uma Morte Anunciada, Cem Anos de Solidão, Ninguém Escreve ao Coronel, O Amor Nos Tempos do Cólera, Memórias de Minhas Putas Tristes e Cheiro de Goiaba.
John Green
O John Green é um caso muito raro e querido de pessoa que mesmo tendo uma grande presença on-line, o que geralmente é a receita para cagadas federais, consegue se manter intacto como um cara legal. Como escritor é que a reputação dele começou a sofrer bastante com a galera que cresceu, deixou de gostar dos livros adolescentes dele e parou de entender que é isso que eles são: livros adolescentes. Li todos os livros ficcionais dele e pretendo ler este ano o livro não-ficcional que foi sua publicação mais recente, e por mais que eu entenda todos os motivos para crítica, de que os personagens se parecem um pouco demais, de que as situações às vezes são irrealistas e que o senso de humor nerdzinho dele fica cansativo em determinados momentos, continuo gostando do fato de ele ter apresentado à minha versão adolescente várias referências legais, de ter me feito pensar sobre morte e existência dum jeito acessível praquela idade mas sem deixar de ser honesto e profundo (que hoje, com a distância do tempo, eu percebo que deve ser muito difícil para um homem mais velho e que estudou teologia conseguir atingir) e de ele ter me feito rir tantas vezes. No lançamento ficcional mais recente dele, Tartarugas Até Lá Embaixo, que já me pegou mais velha e com mais repertório, eu consegui ver um amadurecimento, uma superação daqueles temas da manic pixie dream girl e uma vulnerabilidade maior pra falar de problemas pessoais, como o TOC. Continuo defendendo ele e esperando que resolva sair do hiato de ficção (que ele aparentemente disse ser eterno).
Livros lidos: A Culpa é das Estrelas, O Teorema Katherine, Will & Will, Quem é Você, Alasca?, Deixe a Neve Cair, Cidades de Papel e Tartarugas Até Lá Embaixo.
Machado de Assis
Eu quase esqueci do bom e velho Machadão porque não é mais cool gostar dele, é basicão demais. Mas quando eu era adolescente amei demais o homem e ainda amo porque ele envelhece como vinho: de vez em quando um gringo descobrindo o quanto ele era genial e ainda atual me faz lembrar que SIM, ele era à frente do seu tempo demais, hilário demais, talentoso demais. Ainda por cima o fato de um homem negro e pobre no século XIX ter se tornado o maior escritor brasileiro é quase milagroso de tão improvável. Quero muito relê-lo depois que esgotar essa vontade de ler o máximo de coisas diferentes possível, especialmente Dom Casmurro, que é meu preferido do supremo, e ainda tenho muitos contos pra ler, o que me deixa feliz demais.
Livros lidos: Dom Casmurro, Memórias Póstumas de Brás Cubas, Quincas Borba, Helena, Várias Histórias, A Mão e a Luva, Ressurreição, Bons Dias, Iaiá Garcia e várias coletâneas de contos.
Nick Hornby
Tenho uma relação de muito carinho com o Nick, e acho que já mencionei isso no blog algumas vezes. Leio livros dele desde que tinha uns 11 anos e, em todo esse tempo, ele nunca parou de me dar essa sensação de entender um aspecto da vida que quase ninguém entende, que é o terreno das burradas que a gente faz não por algum motivo existencial super profundo, mas porque somos uns merdinhas imperfeitos mesmo. Seus personagens são sempre engraçados, mas também reais, complexos, não tão bonzinhos, mas não maus também. Acho que ele escreve umas coisas bem questionáveis às vezes, do ponto de vista da pureza ideológica que a gente costuma esperar, então há grandes chances de ele ainda me decepcionar, mas enquanto ele ficar sendo um cara engraçado que fala sobre coisas esquisitas eu vou estar por aqui esperando o próximo lançamento.
Livros lidos: Slam, Alta Fidelidade, Um Grande Garoto, Julieta, Nua e Crua e Igualzinho a Você.
J.K. Rowling
Chegamos no elefante na sala. Eu nunca fui uma GRANDE fã de Harry Potter, como muita gente da minha geração foi, e ele não tinha valor sentimental pra mim porque li a série quando já tinha 15 anos e achei muitos personagens insuportáveis. Também não cresci vendo os filmes e acompanhando os atores. No entanto, achei os livros divertidos e continuei lendo coisas da autora. Amei a primeira parte de Morte Súbita, enquanto ela ainda não tinha entrado no modo meter todos os problemas sociais do mundo na vida dessa protagonista miserável (o que sempre me deixa irritada) e gostei também dos 3 livros que li da série de detetive dela, mas sempre havia coisas nos livros que me incomodavam. Falei sobre esses incômodos no blog anos antes de ela começar a saga da transfobia em série e acabou que os meus incômodos, que eram relacionados a como ela construía certos personagens, demonstravam um pouco do quanto ela era em essencial uma conservadora completamente doida. Talvez a J. K. Rowling seja o exemplo mais óbvio de como um autor sobre quem a gente sabe demais pode estragar a própria obra. Ela conseguiu me fazer desenvolver absoluto asco de tudo relacionado a Harry Potter e ao fandom, que antes me parecia uma comunidade super interessante e criativa, e largar completamente a série de detetive mesmo tendo certa curiosidade sobre como os protagonistas acabariam. O fato de ela continuar na internet defendendo e financiando absurdos faz com que eu tenha medo de onde ela pode chegar. Mas se eu não tivesse acesso à internet ou a nada do que ela pensa fora dos livros, aqueles livros continuariam sendo divertidos. É de se pensar.
Livros lidos: 7 livros de Harry Potter, 3 livros da biblioteca Hogwarts, Morte Súbita e O Chamado do Cuco, O Bicho-da-Seda e Vocação Para o Mal.
Sally Rooney
A Sally Rooney é uma autora muito “feita pra mim”. Me identifico muito pessoalmente com as opiniões e dilemas que ela expressa nos livros e poucas entrevistas que chegam até mim e acho que como pessoa ela nunca vai me decepcionar. Ao mesmo tempo que gosto da sensação de meio que estar crescendo com ela e passando diferentes fases que ela e seus personagens passam quase ao mesmo tempo, tenho medo é de que ela acabe escrevendo livros ruins em algum momento, como agora pode acontecer com o lançamento do primeiro livro dela só com protagonistas homens. Mais uma vez o escritor vivo sendo um risco kkkkk. De qualquer forma, vou continuar lendo tudo que ela lançar e falando sobre as experiências extremamente específicas que ela registra com as minhas amigas.
Livros lidos: Pessoas Normais, Belo Mundo, Onde Você Está e Conversas Entre Amigos